Cof, cof…

Leia o que trago sobre o documentário Big Vape

João Carlos Martins
5 min readNov 7, 2023

Dia desses comecei a assistir ao documentário Big Vape, disponível na Netflix, mas não consegui terminar, pois acabei dormindo. Entretanto, dias depois desses recomecei a assistir e dessa vez consegui ir até o fim. Gostaria de compartilhar o que de lá absorvi, mas não sem antes alertar que pode haver spoilers neste texto. Sim, eu sei que é um documentário, e não um dos filmes mais aguardados do ano, mesmo assim vale o aviso. Se não gosta de saber das coisas de antemão, saiba que gastei o tempo que já poderia ter começado a escrever só para que você não ficasse sem ter nada para ler. Agora começa:

Do que se trata?

Big Vape é um documentário que fala sobre a febre do JUUL entre os jovens nos Estados Unidos. Se você nunca ouviu falar disso que destaquei na primeira frase, sem crise, eu explico: o tal do JUUL foi o primeiro, senão o único, cigarro eletrônico a conseguir trazer até a pessoa fumante a sensação de estar fumando um cigarro real. Digo isso não por empirismo, mas, sim, por ser o que a turma fala nesse filme de quatro episódios. Bem, até aí zero problemas, né? Marlboro, Camel, Dunhill, Lucky Strike, Winston, Kent, Shelton, Rothmans, Chesterfield, Record, Eight, a lista é infinita de nomes que já circulam por aí. Um tipo de droga a mais não faria diferença. Contudo, a grande sacada dos fOuNdErS do JUUL não foi apenas encher o cu da galera de fumaça. Não! Eles foram até os anjos do Vale do Silício e disseram que tinham uma ideia que ia mudar o mundo. Sabe o que era? Um dispositivo eletrônico que ajudaria fumantes a parar de fumar cigarros. O protótipo era mais ou menos assim: por meio de um negócio que mais parece um pendrive, quantidades cavalares de nicotina, em relação a um cigarro, serão dispensadas para dentro de você, mas sem a presença de CO², que é o que mais causa câncer de pulmão. Parece uma troca justa, né? Se o que mais mata não é o mesmo que vicia, tira só ele e passa um Catupiry no resto. Era sabor de manga, menta, CRÈME BRÛLÉE e tantos outros impossíveis de resistir. Os bilionários acharam que fingir que se importavam com as pessoas, enquanto faziam frente ao comércio de cigarros convencionais, parecia ser uma ótima ideia e entraram nessa maravilhosa empreitada.

Um ponto importante de se destacar neste parágrafo é o design do produto. Diz a lenda que o uso de vapes era algo considerado cafona entre os jovens da época. Eles até mostram algumas das máquinas de fumaça que os estadunidenses costumavam usar, e dava pra entender o afastamento. Além de serem horríveis, eram trambolhos cheios de procedimentos para poder iniciar a sessão de fumo. Desde o início, o e-cigarette tinha a ideia de ser discreto. Apesar disso, quando estavam nos finalmentes para que a criação fosse às ruas, a discrição foi pras cucuias. Richard Mumby, o head de marketing da companhia, contratou o diretor criativo Steven Baillie para compor a campanha de lançamento da marca. Steven Baillie é conhecido por lá como um publicitário bastante apelativo em suas propagandas, sempre buscando o que é belo, segundo os padrões europeus que somos obrigados a coexistir, sexy, provocante, tentador. Isso vai um pouco na contramão da ideia de salvar as vidas existentes em corpos mórbidos fumantes de cigarros movidos por meio da octanagem. Parece muito mais com um artigo de luxo, um objeto de desejo ou, como tanto falam durante os episódios, um lifestyle. Foi questão de tempo para que o aparelho fumacento estivesse na boca do povo.

O tempo passou e a suposta proposta inicial já tinha se perdido, os founders já não mandavam em mais nada (não que isso fosse mudar algo), e o ato de JUULar por aí já tinha se tornado a nova onda da estação vigente. Por ser um bagulho bonitinho e elitista, não demorou para o apetrecho aparecer em todas as festas mais badaladas, stories de celebridades e roda de jovens quaisquer com alguma influência em seus ciclos de amizades. Acho que uma única vez JUULei um JUUL e não senti nada demais (ainda bem). Talvez esse que chegou até mim fosse falsificado, pois no documentário a galera diz que basta uma tragada para você ir ao céu dos fumantes, mergulhando a sua alma em uma piscina em forma de cinzeiro na qual o ser superior do Universo bate as suas cinzas. Dizem que os sabores eram o grande diferencial nos primeiros momentos. A empresa até tentou manter um tom de voz mais varonil posteriormente, no qual trazia pessoas fumando JUUL em situações de trabalho e dia a dia normal, todavia já era tarde e o que o produto realmente representava era aquela coisa deliberadamente acintosa de gente mamando a chupeta eletrônica de satã e sendo feliz, como eram os comercias do Hollywood, hoje proibidos de serem veiculados. Outro ponto relevante é que não tardou até jovens começarem a ter efeitos colaterais severos, e mães revoltadas se unissem para levantar cartazes e gritar palavras de ordem na frente do escritório, ou JUULffice. Isso chegou a desencadear a intimação de um dos fundadores ao tribunal, para se defender de tal engenhoca medonha; no entanto acredito que nada tenha mudado desde então, visto que o site continua de pé e dá pra comprar quando quiser.

Como isso me afetou

Fumante assíduo do modo tradicional de pito, vulgo maço de cingarros, venho percebendo o quanto fumar é uma perda de tempo. Além do fato de ser um veneno mortal ingerido de maneira descompromissada, sinto que toda vez que paro para fumar eu poderia estar fazendo outra coisa. Poderia fazer dez flexões de braço, vinte polichinelos, trinta abdominais, poderia comer uma fruta, tomar um copo d’água etc, mas, não. Acabo sentando naquele mesmo canto de sempre, scrollando a tela do celular de um lado pra outro enquanto seguro uma tocha acesa, triste quando percebo que ela já está pra baixo do meio e logo a vontade de fumar mais um virá.

O cigarro é uma droga cruel, relativamente romantizada, entretanto nada combatida. Não tem nada de saudável, terapêutico, ritualístico em um box com vinte unidades de qualquer um que seja. O que tem é um vício que amarela seus dedos e dentes, te causa problemas para respirar e inúmeras outras doenças.

Pare de fumar!

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João Carlos Martins

Redator, copywriter, gestor de equipes, baixista e mais um monte de coisas que dão pouco, ou nenhum, dinheiro.